Reforma Tributária: ampliação das hipóteses de incidência e os desafios da não cumulatividade plena
Com a Reforma Tributária batendo na porta, já em 2026, a implementação do IBS e da CBS redefine de forma significativa o campo de incidência dos tributos sobre o consumo.
Ampliação do conceito de “serviço”
Uma das principais alterações está na ampliação do conceito de serviço, que passa a abranger toda operação que não se enquadre como fornecimento de bem — por exclusão.
Com isso, atividades atualmente fora do alcance do ISS ou do ICMS, como locações de bens móveis, cessões de direito, entre outras, passam a ser tributadas.
Essa nova sistemática adota uma abordagem mais ampla: toda e qualquer operação onerosa com bens ou serviços estará sujeita à incidência do IBS e da CBS.
Isso inclui não apenas compra e venda, mas também permutas, cessões onerosas, arrendamentos e até mesmo doações com contraprestação.
Além disso, a lei estabelece que determinadas operações não onerosas também serão tributadas, desde que expressamente previstas, como:
fornecimento gratuito de bens e serviços entre partes relacionadas;
distribuição de brindes;
devolução de capital com bens que geraram crédito na aquisição.
Situações excetuadas
Com uma base de incidência tão ampla, foi necessário que o legislador excetuasse algumas situações lógicas, como por exemplo:
prestação de serviços por pessoas físicas no âmbito de relação de emprego ou como administradores;
transferências de bens entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (em linha com o recente Convênio ICMS 109/2024);
diversas operações financeiras e societárias (com ressalvas);
doações puras, desde que não tenham gerado crédito na entrada, dada a ausência, justamente, do critério oneroso.
Desafios da não cumulatividade plena
No campo da não cumulatividade, embora a lei prometa um sistema neutro, na prática há imposições restritivas relevantes.
O crédito não se aplica, por exemplo, a bens e serviços de uso ou consumo pessoal, exceto em hipóteses específicas previstas no art. 57 da LC 214/2025 — como:
EPI;
alimentação no local de trabalho;
benefícios previstos em convenção coletiva.
Questões em aberto
Esse ponto levanta discussões relevantes:
Até que ponto essas exceções garantem a neutralidade prometida?
Como tratar situações em que determinados bens, embora não sejam de uso pessoal, são essenciais à qualidade da atividade econômica — como obras de arte e mobiliário refinado em hotéis de luxo, que compõem a experiência ofertada ao cliente e impactam diretamente a base de cálculo do tributo?
Além disso, as hipóteses excetuadas muitas vezes não contemplam todas as empresas, representando um potencial problema sob a ótica da neutralidade.
Por exemplo: para não ser considerada bem de consumo pessoal, a alimentação no local de trabalho fornecida tem que ser produzida pelo empregador.
Na prática, diversas empresas — ainda que possuam refeitórios — terceirizam esse serviço. Esses casos carecem de regulamentação, gerando insegurança nas mudanças advindas com a LC 214/2025.
Conclusão
A nova sistemática traz avanços importantes, mas também zonas cinzentas que exigirão interpretação cuidadosa.
A neutralidade plena ainda é uma expectativa — e o contribuinte precisa estar atento às exceções e limitações para garantir o compliance com essas alterações.